O que eu poderia fazer por ele?

Enquanto caminhava, eu notei de longe que ele direcionou seu olhar para mim. Estava esperando o ônibus quando ele começou a puxar assunto.

Magro, um pouco alto, pele meio morena, cabelo enrolado preto com poucas mechas loiras, um moletom meio despojado e os dentes afiados.

Disse-me que ele tinha acabado de se “ferrar”. Eu, sem entender nada, continuei prestando atenção naquele rapaz que parecia precisar conversar para amenizar a dor da sua realidade, sem ao menos se dar conta da realidade (dura) que tinha.

“Eu ia dar aula de capoeira numa escola aqui perto, onde cederam o espaço para mim, mas me ferrei. O bombeiro acabou de ligar dizendo que minha mãe sofreu um acidente de moto.”

Eu estava espantada ouvindo aquilo tudo e ele me contava com uma calma assustadora – se fosse eu no lugar, no mínimo, estaria chorando muito.

Ele segurava o dinheiro para pagar o ônibus. Era tudo o que tinha, no momento. Os últimos R$ 40 ele havia dado para a mãe dele abastecer a moto, no dia anterior.

Confesso que eu estava pasma e ao mesmo tempo curiosa ouvindo sobre tudo aquilo que tinha acabado de acontecer.

Tudo que ele sabia era que a mãe tinha sofrido um acidente, que a moto estava destruída, que tinham a levado para o hospital e que tinham encontrado o número dele dentro da carteira.

Naquele horário, ela costumava ligar para ele, porque era a hora do café dela… “Ela sempre me ligava, a gente ficava conversando”.

Eles são de Ponta Grossa/PR. Ele e a mãe fugiram para SC, porque o pai dele ameaçava matá-la.

Estava preocupado porque o dinheiro que ele tinha para pagar o ônibus, que o pessoal da escola emprestou para ele, só dava para pagar a ida. Estava se perguntando como faria para levar a mãe dele para casa…

Enquanto isso, me contava sobre seus irmãos por parte de pai. Me mostrou até uma foto do passeio que fizeram antes dele fugir para cá.

Contou que a cidade dele é muitíssimo pequena (menos de 10 mil habitantes) e que lá as pessoas gostam de ouvir sertanejo raiz. Disse que achou estranho o gosto musical das pessoas aqui: “funk e sofrência”, falou dando risada. Sofrência ele só ouviu quando terminou com o ex-namorado.

Disse ainda que lá não faz calor. Que ele só têm duas blusas de manga curta, porque nunca passou calor e que em Ponta Grossa o ônibus é muito mais barato que aqui.

Enquanto ele falava, fiquei me perguntando o que eu poderia fazer por aquele pobre rapaz…

Instintivamente, quando o ônibus chegou, passei o  cartão e ao liberar a catraca, falei: “passa, pode passar” – ele já estava entregando o dinheiro ao cobrador e, então, me olhou com um largo sorriso: “agora eu tenho o dinheiro para voltar, né?”.

Com a mãe no hospital sem saber do estado de saúde dela, numa cidade onde mora há apenas duas semanas, sem nem saber chegar ao hospital, sem conhecer nada aqui, tendo que renunciar ao trabalho de professor de capoeira que garantiria o ganha-pão do dia, ele ainda tinha tantos motivos para sorrir, para ser do bem e para não ter pena de si.

Quando o destino dele chegou, me deu um beijo no rosto e disse: “foi um prazer te conhecer” e saiu.

Fiquei tentando entender tudo aquilo, tudo meio assim, meio estranho e cheguei a conclusão de que era o meu momento de olhar para mim mesma, para a minha realidade e ceder…

 

 

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